sábado, 19 de junho de 2010

A Lição do Ladrão

 
Lição que um rei do sul da Índia recebeu de um ladrão.
Desejoso de aprender todos os segredos do roubo, não na intenção de passar a roubar, mas para melhor fazer justiça, um rei mandou chamar um famoso ladrão e pediu-lhe lições.
O homem pareceu espantado, e até escandalizado.
- Ladrão, eu? Quem te convenceu de tamanha falsidade? Sempre vivi muito honestamente. Como poderia dar-te lições de roubo?
Protestando assim a sua inocência e declarando-se imerecedor da malevolência dos seus vizinhos, que sem dúvida o tinham denunciado para destruírem a sua excelente reputação, o homem foi solto.
Entretanto, alguns minutos depois da sua partida, o rei apercebeu-se de que lhe faltava um anel precioso na sua mão. Mandou prender o homem, revistaram-no, mas não encontraram o anel – que ele já teria passado a algum cúmplice. E desta vez, por crime de lesa majestade, o homem foi atirado para a prisão e condenado a ser empalado na manhã seguinte.
Nessa noite, o rei não conseguia adormecer. Com o espírito perturbado, lembrava-se dos protestos de inocência que o homem tinha dado a ouvir, tanto no palácio como no momento da sua detenção. A meio da noite o rei levantou-se e desceu à prisão. Deram-lhe entrada, sombra silenciosa, e ele ouviu o preso sozinho na sua cela escura, que orava com fervor, chorava baixinho e continuava a dizer-se injustamente perseguido. O rei – que o preso de modo nenhum podia ver – retirou-se sem barulho, muito comovido, e decidiu soltar o preso, convencido da sua inocência. Depois disso, o sono chegou para ele.
No dia seguinte, já solto, o homem foi levado ao soberano. Esfregou rapidamente as mãos uma na outra, fazendo aparecer o anel do rei. Depois agarrou-o entre dois dedos e deu-lho, com todos os sinais de obediência e respeito.
O rei, muito admirado, perguntou-lhe as razões do seu comportamento.
- Pediste-me lições – disse o ladrão. – Aqui tens a primeira: um ladrão deve sempre manter a aparência de cidadão honesto, respeitador das leis e da fé. E eis a segunda: é absolutamente essencial que afirme a sua inocência, mesmo quando se encontra em situação extrema. Queres que marquemos a terceira lição?

Jean-Claude Carrière in “Tertúlia de Mentirosos”

 

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