domingo, 20 de junho de 2010

A Paixão Juvenil

 
Se calhar as minhas grandes paixões passaram-se entre os doze e os quinze anos: por cromos de artistas de cinema que vinham nas embalagens das pastilhas elásticas, pela tia de um colega da escola que me passou a mão no cabelo, por meninas que patinavam no Jardim Zoológico e não me ligavam nenhuma, por uma senhora da idade da minha mãe que encostou a perna à minha no eléctrico, por uma outra, mais velha ainda, que me pegou na mão no cinema. No intervalo, loiríssima, fumou um cigarro de filtro doirado sem olhar para mim a fim de que não pensassem que namorávamos, visto que os assuntos sérios querem-se com recato e eu ainda não tinha dito nada aos meus pais, tornando o noivado oficial, mas a seguir ao intervalo, no escuro, discreta e suave, pegou-me na mão outra vez, largou-a para me acariciar o joelho

(eu usava, imperdoavelmente, calções)

demorou-se no princípio da coxa, com pressões várias e lentas

(sentia-lhe os anéis)

regressou à mão, entrelaçou os dedos nos meus, fez-me cócegas, com as unhas, na palma, o polegar passeou-me para baixo e para cima pulso adiante, mal o filme acabou levantou-se e nunca mais a vi. Quer dizer, vi o cabelo loiro a entrar num táxi e chovia. Não há nada mais triste que um amor sincero terminado à chuva.

António Lobo Antunes, Visão 17/06/2010

Crónica completa (aqui)
 
 

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