domingo, 1 de agosto de 2010

O Melhor Post de JULHO

 
Há doenças do caneco.
Ser hipocondríaco é terrível. Conheço algumas pessoas com essa doença e é de um sofrimento enorme.
Já o contrário de hipocondríaco não conheço. Também não sou médica.
Mas deve ser do estilo 'viver nas nuvens' ou 'pedrado'.
É esse o tema do post que elegemos como o melhor do mês de Julho. Escrito por Rui Herbon no blogue Jugular é uma ode ao humor.

Dias Estranhos

Levava duas semanas sem que me doesse nada (pese não estar morto), pelo que fui ao meu médico, que me auscultou, mediu a tensão e me viu a garganta sem observar, efectivamente, nada de anormal.
– Não podes dar-me um xarope ou algo para que me doa um pouco o estômago? – perguntei.
– É melhor tomares produtos naturais – disse. – De manhã, polvilha o café com pimenta e deita-lhe um pouco de vinagre.
Longe de piorar, as minhas digestões melhoraram barbaramente com aquela receita. Os meus dias converteram-se num estranho deserto de bem-estar. Saía da cama com um entusiasmo absurdo, trabalhava todo o dia sem esgotar-me e à noite, antes de dormir, fazia um conjunto de exercícios de aeróbica que havia lido numa revista de fitness. Os meus filhos, que têm alergia ao pó e sofrem de umas nevralgias enlouquecedoras, começaram a olhar-me de lado, como se me estivesse afastando da família, como se tivesse deixado de gostar deles. A minha mulher, cuja úlcera se abre na Primavera como uma melancia, perguntou-me se tinha outra.
– Outra quê? – inquiri por minha vez desconcertado.
– Outra mulher, idiota. De que achas que falamos?
– Sabes que não.
– Então, por que estás tão bem?
– Juro-te que não faço ideia. Eu sou o primeiro a não conseguir explicá-lo.
Resumindo: voltei a fumar e tomar bebidas alcoólicas de pelos menos quarenta graus. Mas nem assim. Estava transbordante e subia as escadas, apesar do tabaco, como um atleta. Como se fosse pouco, também já não tinha ataques de angústia. Tinha perdido misteriosamente o medo de andar de elevador, de avião, e dos lugares fechados em geral. Comuniquei-o à minha psicanalista:
– Já não me angustio com nada nem discuto com ninguém nem penso que me perseguem.
– Está seguro de que não o perseguem? – insistiu ela.
– Completamente. Além disso não vejo sentido em que venha alguém atrás de mim, não sou um tipo interessante.
– E não lhe angustia o facto de não ser interessante?
– Absolutamente. Agora parece-me tranquilizador, dá-me mais liberdade, relaxa-me.
– Pois não sei o que vamos fazer – disse ela.
Então lembrei-me de que Phil K. Dick, o autor de “Do Androids Dream of Electric Sheep?”, que serviu de base para o guião de “Blade Runner”, assegurava que alguém lhe metia no café uns comprimidos que o tornavam paranóico. Phil K. Dick era meio paranóico, por isso ocorriam-lhe ideias geniais.
– Não pode receitar-me uns comprimidos que me tornem paranóico? – perguntei.
– Não existem tais comprimidos – disse ela.
– E um placebo inverso?
– A que chama você placebo inverso?
– A um comprimido inócuo que eu acredite que me faça mal.
– Está louco – disse a minha psicanalista.
– Pelo contrário – repliquei –, nunca estive tão lúcido.
– E não lhe faz mal estar lúcido?
– Mal, mal, o que se chama mal, não, mas tenho dificuldades em comunicar com as pessoas, que estão todas péssimas. Num mundo de doentes, encontrar-se bem tem as suas desvantagens.
– Terminou o nosso tempo – disse ela. – Continuamos na próxima sessão.
Levantei-me do divã e saí. Estava uma tarde maravilhosa, cheia de pólenes que já não me produziam alergia e uma luz como que de quadro de Velázquez que não me fazia mal aos olhos. De facto, não pus os óculos de sol, quando antes até os usava mesmo no cinema, devido à fotofobia. Passeei um bocado, desfrutando do sol e da brisa, e em seguida sentei-me numa esplanada.
– Traga-me um gin tonic em copo baixo e com quadro pedras de gelo muito frias, por favor.
O empregado, que era coxo e estava enfadado, regressou pouco depois com a bebida. Ao primeiro sorvo voei, quase literalmente, de felicidade. Então acendi um cigarro, cujo primeiro fumo me soube a glória. Jamais tinha sentido aquele grau de bem-estar e não via o modo de tirá-lo de cima. Ao chegar a casa, não obstante, pus cara de dor e à noite enfiei uma ração de Ibuprofeno.
– Que tens? – perguntou a minha mulher.
– Não sei, não me sinto bem – menti.
Como ela também não se encontrava bem, tomou outra ração do mesmo. Nessa noite fodemos como loucos.

Escrito por Rui Herbon, in Jugular, 10/074/2010
 

2 comentários:

Anónimo disse...

Então o amigo bloguista não comenta as festas de quintos? Tão célere a comentar o falso problema das reformas pagas pela Caixa Agrícola e agora nada diz sobre um acontecimento importante para a nossa aldeia. Estranho não?

Cumprimentos

S Maria disse...

Como eu compreendo a sua angústia!
A festa a que se refere financiada pela Junta de Freguesia - quiçá com o patrocínio da CA - não me merece qualquer tipo de comentário.
Porquê?
Porque estive lá na sexta-feira e estava tão fraquinha que é preferível nada dizer. No sábado não pude ir. No domingo fui à missa e participei na Procissão, que deveria ser em honra de Santa Catarina mas é em honra de Nossa Senhora dos Remédios. Foi, inquestionavelmente, o momento mais alto e mais importante da festa de Quintos.